AAARGH

Associação de Antigos Amadores de Recitais de Guerra e Holocausto

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António José de Brito

(1962)

APENDICE IV
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A lenda negra antinazista

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Não nos vamos referir, por evidente falta de espaço, aos restantes crimes contra a humanidade mencionados no artigo 6.* da Carta do Tribunal Internacional de Nuremberga, e de que foi acusado o nazismo. Faremos, apenas, alusão às chamadas experiências humanas no domínio médico, objecto dos mais indignados comentários, como se se tratasse de prática inédita, monstruosamente inaugurada pelo feixismo germânico, e cujos principais artífices compareceram nos processos que se seguiram ao dos denominados grandes criminosos de guerra.

As intervenções de Hitler ficaram estabelecidas da seguinte decisiva forma. Em 1935, segundo o testemunho de Karl Brandt, comissário-geral de Saúde do Reich, o Führer tinha declarado que «seria lógico utilizar criminosos para actualizar e resolver

[192] problemas médicos». (1) E o professor Gebhardt, amigo de Himmler, tendo-lhe sido perguntado se «Hitler aprovava o princípio da utilização dos detidos dos campos de concentração para experiéncias médicas» repontideu: «é exacto». (2)

Simplesmente, acontece que os peritos da acusação, Profs. Leo Alexander e Irvy, americanos, e Hoering, alemão, pronunciaram-se a favor da licitude das experiências médicas em seres humanos em condições determinadas, entre as quais se contava o consentimento dos padecentes. (3) E a verdade é que o Tribunal aceitou esse ponto de vista na sentença proferida em 19 e 20 de Agosto. (4) Nenhuma prova foi exibida, de resto, demonstrando que Hitler admitira, que as experiências humanas fossem efectuadas dama forma que se não pudesse considerar lícita.

Isso não impede, porém, que o Dr. François Bayle, digno membro auxiliar da acusação americana nos processos a que nos temos vindo a referir, na sua obra Croix gammée contre Caducée diga, aludindo ao Führer, que «o poder desse homem foi suficientemente grande para determinar seres ... a violaram as regras eternas da arte médica», (5) pondo a circular uma calúnia hoje divulgadíssima.

Quanto a Himmler, é indiscutível que impulsionou as experiências humanas no domínio médico, algumas das quais conduzindo a mortes. Observe-se, no entanto, que, segundo os testemunhos de Karl Wolff, general das S. S., de Walter Neff, antigo detido de Dachau, do general médico da Aviação Hippke, de August Vieweg, (6) antigo internado em Dachau, do Dr. Siegfried Ruff e do Dr. Weltz (alguns deles réus no processo em quesuo), o Reichführer das S. S. tinha a convicção de que se tratava de voluntários. Estando em causa internados nos campos de concentração, é possível que, na realidade, a administração dos campos escolhesse arbitràriamente detidos para as experiências, sem os consultar. Em todo o caso, alguns dos depoimentos que invocamos mostram Himmler a fazer promessas aos prisioneiros em casos de sobrevivência; num até se assevera que estes últimos em Dachau lhe asseguraram serem todos voluntários, e os restantes contêm a clara afirmação de que o Reichführer pensava que quem se submetia às experiências o fazia de livre vontade.

[193] E o certo é que o general médico Schroeder, na carta que dirigiu a Himmler, solicitava voluntários para os sujeitar a certo género de experimentações relativas à água do mar. (7)

Ora acontece que os peritos da acusação, o alemão Prof. Leibbrand e o americano Prof. Ivy, admitiram que nos U.S.A. foram praticadas experiências sobre prisioneiros, com o alegado consentimento destes (e, por vezes sem o seu consentimento real), experiências das quais resultaram várias mortes. (8) Em suma, nessa grande democracia praticava-se aquilo que é assacado como abominável façanha do nacional-socialismo.

Outra das grandes acusações que sobre este impendem diz respeito ao que é elegantemente denominado «as exterminações médicas.» Cita-se uma carta de Victor Brack a HimmIer de 23 de junho de 1942, propondo a esterilização de dois a três milhões de judeus.

Em 11 de Agosto do mesmo ano HimmIer dirige a Brack a seguinte epístola:

«Caro Brack

Estou positivamente interessado num ensaio de esterilização pelo menos uma vez, num campo, numa série de experiências. Ficaria muito agradecido ao Reichsleiter Bouhler se para, começar ele quisesse pôr à nossa disposição os peritos médicos para as séries de experiências. Dirijo uma cópia desta ao Reichsartz S. S. o ao chefe competente dos campos de concentração.

Seu H. Himmler» (9)

A carta, quase dois meses posterior à missiva de Brack aludida, se realmente lhe respondia, demonstra, abundantemente, que Himmler encolheu os ombros perante as sugestões políticas exterminatórias de Brack, embora interessando-se pelo aspecto científico dos métodos de esterilização apresentados, dentro da sua ambição de ser o patrono de progressos científicos de relevo, de que fala o Prof. Gebhardt. (10)

Considerações por inteiro idênticas se podem fazer a respeito da esterilização de prisioneiros bolchevistas lembrada pelo Dr. Pokorny a Himmler. (11)

No que diz respeito às experiências do Prof. Clauberg, a acusação, de certo achando que as cartas trocadas entre este e

[194] Himmler não provavam nada acerca das respectivas condições nem manifestavam intenções especialmente preversas da parte do Reichführer, e não encontrando testemunhos que o responsabilizassem, resolve socorrer-se de duas notas, preciosamente achadas, do seu ex- secretário Rudolf Brandt, referentes a reuniões, em 7 e 8, de julho de 1943, de Clauberg, K. Brandt e outros com Himmler, onde se teria tratado da esterilização maciça de judeus. (12)

O pior é que, em 10 de julho, Brandt escreveu a Clauberg transmitindo-lhe uma série de propostas e desejos de Himmler -- que não se compreenderia se Himmler e Clauberg tivessem estado reunidos nos dias 7 e 8 desse mês, ou o que só se compreenderia como confirmação escrita de decisões verbais com expresa referência a tais decisões, às quais, estranhìssimamente, a carta de R. Brandt nem de perto nem de longe alude. (13)

(A acusação exibiu igualmente um affidavit de Brandt acerca das esterilizações; simplesmente ficou provado no processo que Brand assinava os affidavits sem compreender bem o que diziam). (14)

Não existe, poi s, no que toca às experiências acerca de esterilizações, nénhuma prova de que fossem realizadas com fins especialmente malévolos. E compreende-se que houvesse interem em levá-las a cabo, num país em que a esterilização era usada, legalmente, para defesa da raça, à semelhança do que sucedia em certos estados dos U.S.A., sem que isso por si só implicasse monstruosos intentos exterminatórios.

E voltemo-nos, agora, para o decreto de Hitler a respeito da eutanásia, que diz: «O Reichsleiter Bouhler e o Doutor em Medicina Brandt são, encarregados sob a sua própria responsabilidade de estender a autoridade de certos médicos, a designar pessoalmente, para o efeito de libertar pela morte pessoas que nos limites dos juizes humanos e a seguir a um exame médico aprofundado serão declaradas incuráveis -- Adolfo Hitler». (15)

Pode-se pensar o que se quiser acerca da eutanásia e, pela nossa parte, reprovamo-la, em tese. Contudo, não é um produto da perversidade nazi e tem defensores em todo o Mundo. O perito da acusação, Prof. Leibbrand, aceitou-a, embora restritamente. (16)

[194] E note-se que em 1942 o Führer tinha já suspendido a execução do seu decreto.

Aliás, o que o Tribunal pretendeu provar foi que a eutanásia não passava dum disfarce dado a torpe intento de aniquilação de doentes, desprovido de qualquer carácter humanitário. E foram exibidos como argumentos o segredo que rodeava as medidas, os questionários a respeito dos doentes submetidos à eutanásia, que deviam mencionar a raça e a aptidão para o trabalho, o facto de aquela se estender aos deportados nos campos de concentração, o pedido da Chancelaria do Führer solicitando à província da Francónia uma lista dos elementos associais internados e, finalmente, uma nota em estilo telegráfico de um tal Sellmer, Gaustabsamtsleiter de Nuremberga, dizendo: «a acção deve começar imediatamente ... trinta mil são enviados -- mais tarde cento e vinte mil esperam ... ». (17)

Tudo isso é de uma fragilidade impressionante. A linguagem telegráfica de Sellmer é passível das interpretaçóes que quisermos, os questionários são iguais a muitos oútros usados em países que não o III Reich, o pedido da Chancelaria nada nos garante que se relacione com a eutanásia, não se compreende sequer em que é que esta seria agravada por se aplicar aos detidos em campos de concentração e, por último, percebe-se, perfeitamente, o segredo que a rodeava (também por vezes se rodeia de segredo o tratamento de doenças graves contagiosas que começam a espalhar-se), destinado a evitar alarmes e incomprensões do público e até um acréscimo de sofrimento em doentes que viessem a saber do destino que os aguardava e perdessem, assim, os últimos vestígios de esperança. (18)

Acrescente-se que, também, se apontou, qual exemplo incontestado da perversidade do nacional-socialismo, o caso do Prof. Hirt, da Universidade de Estrasburgo, que desejava constituir uma colecção de crânios de comissários bolchevistas judeus, e para o efeito se dirigiu a Himmler. (19) Este deferiu a pretensão. Barbárie pura, clamou-se no Tribunal. Ordenou um massacre só para satisfazer os diletantismos pseudocientificos do Prof. Hirt. O que se não disse é que os comissários bolchevistas, porque combatentes não integrados nas forças militares, não passavam

[196] de franco-atiradores, que deviam ser fuzilados de acordo com as leis da guerra. E nesta altura perguntamos: as mais variadas colecções de esqueletos, crânios e cérebros que em todo o Mundo existem, e nas quais estão incluídos tantos de criminosos, políticos e sábios célebres, representam, na essência, algo de diferente do que o Prof. Hirt pretendia constituir de acordo com Himmler?

Não houve aqui nenhum massacre especialmente feito para comprazer ao Prof. Hirt, antes o aproveitamento para fins científicos, mais ou menos discutíveis, de mortes que, por motivos inteiramente diversos e perfeitamente legais, iam verificar-se. E, insistimos: não é assim que se criam os museus anatómicos e semelhantes?

Abandonemos o tema dos crimes contra a Humanidade. Claro que nos é impossível dentro dos limites deste estudo abordar, de forma completa, os chamados «crimes contra apaz» (20) -- conexos ao que a acusação americana denominava pitorescamente a «conspiração» nazi, dentro dos quais se pretendeu enquadrar a constitucionalíssima subida ao Poder do nacional-socialismo, o Anschluss, que só não se realizou em 1924 porque à vontade claramente expressa da população austríaca se sobrepôs o veto dos aliados, consoante nos informa o insuspeito Schuschnnig, (21) as reivindicações sobre a Checoslováquia solenemente sancionadas na conferência internacional de Munique, e a acção de Praga de Março de 1939, que o próprio embaixador de S. M. Britânica em Berlim considerou não intencional, dizendo «ainda hoje me custa a admitir que Hitler tenha preparado qualquer acção para o mês de Março ... o conflito entre Checos e Eslovacos era uma ocasião que se lhe oferecia ... aproveitou-a», (22) e que o Sr. Chamberlain, implicitamente, justificou, na Câmara dos Comuns, afirmando: «O Estado cujas fronteiras tratávamos de garantir decompôs-se por dentro ... O Governo de S. M. já não se julga mais tempo ligado às suas obrigações». (23)

Tudo isto, que foi aceite, tant bien que mal, pelas potências, sem outras sanções que protestos diplomáticos mais ou menos formais (quando os houve), veio anos depois a ser considerado agressão monstruosa a condenar com mortal severidade. E onde estavam, na época em que foram cometidos tão abomináveis

[197] «delitos», os zeladores da moral internacional criadores do Tribunal de Nuremberga? A justiça que perfilham guiar-se-á por um vérité em 1939, mensonge em 1945 ? (24)

A nossa atenção, no entanto, vai convergir especialmente, de entre os já referidos crimes contra a paz, sobre a questão da responsabilidade na eclosão do conflito, em Setembro de 1939.

No sentido de provar a culpabilidade da Alemanha nazi o Tribunal Militar Internacional exibiu uma série de documentos pretensamente significativos, dos quais o primeiro é o chamado Protocolo de Hossbach. Trata-se da acta de uma reunião que teve lugar a 5 de Novembro de 1937 e em que estiveram presentes Goering, Reader, Von Neurath, Von Fritsch, Von Blomberg, Hitler e o seu ajudante de campo, coronel Hossbach. Nela parecem estar bem patentes os propósitos do Führer de desencadear uma guerra de agressão.

Começamos por observar que o texto dessa acta, tal qual foi presente ao Tribunal, era tão incontroversamente obscuro e mal redigido, nalguns pontos, que a acusação, ao lê-lo, se sentia no dever de fazer comentários de elucitação e esclarecimento. Assim, o membro do Ministério Público Aldermann, que procedia à leitura dos protocolos em causa, a certa altura exclama: «interrompo aqui a minha leitura. Se compreendo bem o orador» (era resumido um discurso atribuído a Hitler) «quer dizer com isto: nada de autarquia, devemos participar no mercado e no comércio mundiais». (25)

Mais adiante diz: «penso que ele» (é Hitler ainda) «quer falar do Império Britânico». (26)

Admitindo mesmo a autenticidade do documento, isto mostra-nos, pelo menos, que o coronel Hossbach ou não era um claro expositor do pensamento alheio ou redigiu com muito descuido os seus apontamentos.

Mas há mais. De acordo com o texto em questão, Hitler teria sustentado que: «a nação alemã compreende 85.000.000 de pessoas que ... formam um núcleo racial homogéneo». (27)

Nada tão inverosímil. No Mein Kampf o Führer perfilha tese absolutamente oposta. Aí se diz expressamente: «O facto que ao nosso povo falta a coesão que dá um sangue comum que perma-

[198] neceu puro causou-rios males indizíveis ... Hoje ainda o povo alemão sofre as consequéncias dessa falta de coesão intima; mas o que fez a nossa desgraça ... pode ser no futuro uma fonte de bênçãos. Porque, funestas como o foram a ausência duma fusão absoluta, dos elementos que compunham primitivamente a nossa estirpe e a impossibilidade dai derivada de formar um corpo nacional homogéneo, em contrapartida revelou-se uma felicidade que pelo menos uma parte do que há de melhor na nossa população tenha permanecido pura». (28)

Claro que, em 1937, Hitler poderia ter modificado os pontos de vista expressos na sua obra de 1924. Mas neste caso não é nada crível que o tenha feito, pois, em 1933, em discurso a 3 de Setembro, proclamava «todos os povos compostos de diferentes elementos rácicos» e, em 1937, a, doutrina consagrada já legislativamente, em 1935, continuava a ser a de que o povo alemão constituía uma mistura de raças. E isso o proclamavam, entre outros, por exemplo, Hans Frank, H. F. N. Günther é U. Scheuner. (29)

Continuando a analisar os protocolos de Hossbach, observamos finalmente que, segundo eles, o Führer refere-se a vários momentos oportunos para desencadear uma guerra de agressão, mas de uma guerra de agressão exclusivamente contra a Checoslováquia. Supondo que, de facto, Hitler desejava recorrer à força, conforme dá a entender o documento, o certo é que só pensava usar essa força contra os Checos. (30) A esse respeito (e note-se que a muito poucos mais) o texto é inequívoco.

Ora é certo que, em 1939, a Checolosváquia deixara de existir, sem que houvesse qualquer conflagração. E não nos parece que seja lícito, repentinamente, transpor para a Polónia intentos que ùnicamente visavam os checos. Logo os protocolos de Hossbach só abusivamente são apresentados como prova no que diz respeito aos crimes contra a paz. Em relação à eclosão real do conflito mundial apenas nos podem esclarecer, negativamente, no sentido de que contra a Polónia, havia outros motivos do que os alegados em 1937. E quais? Justos ou injustos? Bons ou maus?

Os protocolos em causa seriam probatórios, exclusivamente no caso de mostrarem que Hitler estava a preparar a guerra em

[199] geral,à isto é contra quem quer que fosse, ou, pelo menos, uma guerra geral, que pouco lhe importaria começar por aqui ou por além. Mas nada disso é verdade, O alvo era a Checoslováquia, chegando-se a esperar que a França e a Inglaterra pudessem ficar neutras nesse conflito. (31)

De que forma, pois, a acusação pode classificar estes protocolos «dos mais reveladores entre os documentos apreendidos» e afirmar que «não deixam subsistir a mínima dúvida acerca dos crimes nazis contra a paz»? (32)

(Note-se que, acerca da sua autenticidade, o Tribunal não quis ouvir o marechal Von Blomberg, o único participante na reunião de Novembro de 1937 ainda em vida e que não estava a ser julgado por crimes de guerra.)

A seguir aos protocolos de Hossbach foram exibidos três outros textos, a que se pretendeu dar um alto e expressivo valor. O primeiro é a minuta da acta da conferência, de 23 de Maio de 1939 entre Hitler e os altos comandos da Wehrmacht, Redigiu-a o tenente-coronel Schmundt. De acordo com o texto apresentado, «estavam presentes: o Führer, o Feldmarschall Goering, o Grossadmiral Raeder, o Generaloberts Von Brauchitsch, o Generaloberts Keitel, o Generaloberts Milch, o general de artilharia Halder, o general Bodenschatz, o contra-almirante Schniewindt, o coronel Jeschonneck, o coronel (E. M.) Warlimont, o tenente-coronel (E. M.) Schmundt, o capitão Engel (Exército), o capitão-de- corveta Albrecht, o capitão Von Below (Exército)». (33)

Proferiu o Führer um longo discurso, no qual, com que para exacta confirmação das alegações do Ministério Público do Tribunal Internacional, exclamou: «O princípio de evitar resolver um problema adaptando-se às circunstâncias é inadmissível. São as circunstèncias, ao invés, que devem adptar-se às finalidades. E isto só é possível pela invasão doutros países ou pela apreensão de bens estrangeiros ... Danzigue não é de nenhum modo a causa do conflito. Trata-se de estender o nosso espaço vital no Leste, de assegurar o nosso reabastecimento ... atacar a Polónia, desde que se nos apresente uma ocasião ... ». (34)

Comecemos a análise deste documento. A sua história é pitoresca. M. Aldermann, o esperançoso acusádor-adjunto dos

[200] U.S.A., informa-nos: «O original deste documento uma vez apreendido chegou por vias travessas, através do Atlântico, aos Estados Unidos. Aí foi descoberto por membros do Ministério Público americano, que o trouxeram para Londres e daí para Nuremberga». (35)

O que se terá passado até o documento tombar oficialmente nas mãos do M. P. yankee sabe-o Deus. Enfim, adiante.

Observe-se, depois, que Hitler pretensarnente afirma: «não é Danzigue que é a causa do conflito». Simplesmente, em 23 de Maio de 1939 o conflito não tinha eclodido. Não se concebe, portanto, que Hitler fale dele no presente. Nem se diga que o conflito apenas implicava referência à pressão diplomática então exercida sobre Varsóvia, porque pouco adiante lá está a inequívoca expressão «Princípio fundamental; conflito com a Polónia começando por uma ofensiva contra a Polónia». (36) «Conflito» significava, pois, luta armada (a supormos que o documento não é produto de várias pessoas empregando termos em sentido totalmente diferente). Logo a referência ao conflito em Maio de 1939 só é explicável por uma alteração do texto primitivo.

Mais ainda. Atribui-se a Hitler a afirmação de que «o problema polaco era inseparável dum conflito com o Oeste». Linhas abaixo, contudo, este exclamaria: «ofensiva contra a Polónia; o sucesso só eatá assegurado desde que as potências ocidentais não intervenham. Se é impossível, será preferível atacar no Ocidente e ajustar contas com a Polónia ao mesmo tempo. Uma política hábil pode permitir isolar a Polónia». (37)

Salvo o devido respeito, o Führer não era nenhum imbecil que não soubesse o que dizia e num momento sustentasse que era preto o que minutos antes proclamara branco.

Depois afirma-se que assistia à conferência o capitão do Exército Von Below. Não excluímos a hipótese de se tratar de um lapso exclusivo da edição francesa. No caso contrário, porém, permitimo-nos achar estranha tal presença. O documento fala num capitão do Exército e num capitão-de-corveta, parecendo que devia surgir depois um capitão da Aviação. E, de facto, na entourage de Hitler havia um oficial aviador chamado Von Below que no fim da guerra tinha o posto de coronel. (38) Tratando-se

[201] deste último, não é crível que o lapsus calami de Schmundt não aparecesse rectificado até 1945 pelo próprio Schmundt ou qualquer outro elemento oficial alemão, que bem saberia a que arma pertencia Von Below. É claro que o mesmo não sucederia se o lapsus calami fosse de algum estrangeiro que decalca do original alemão um outro documento ad usum delphini.

E observe-se que o Dr. Frick, réu de Nuremberga mas ao qual nada podia, interessar a validade ou falsidade da minuta de Schmundt, porque não fora dado como participante na conferência, ao ouvir citar a data de 23 de Maio de 1939 exclamou logo que decerto havia, erro na data. (39) Eis mais um motivo de dúvida. (Note-se igualmente que o Tribunal não quis ouvir a testemunho dos supostos participantes da conferência que não estavam a ser julgados.)

Foram também apresentados depois alguns documentos com dois discursos pronunciados por Hitler em Obersalzberger em 22 de Agosto de 1939. Para satisfação do Ministério Público lê-se aí: «todas estas circunstâncias favoráveis não existirão mais daqui a, dois ou três anos. Ninguém sabe quanto tempo viverei ainda. Logo, é melhor começar a guerra ... Darei uma razão de propaganda justificativa do desencadeamento desta guerra, Pouco importa que seja plausível ou não». (40)

Acerca da autenticidade de semelhantes documentos não nos deteremos longamente. Começamos por transcrever do processo de Nuremberga este elucidativo diálogo entre o presidente do Tribunal e o esperançoso M. Alderman:

«O Presidente -- Há qualquer indicação de lugar?
M. Alderman -- Obersalzberg.
O Presidente -- Como o prova?
M. Alderman -- Quer que o faça através do próprio documento?
O Presidente -- Sim.
M. Alderman -- Receio que a indicação Obersalzberg provenha apenas do primeiro documento que não apresentei. Estou certo de que os acusados reconhecerão que Obersalzberg era de facto o local onde esse discurso foi pronunciado. O local, de resta, é menos importante que a data.
[202]
O Prealdente -- Muito bem». (41)

Seguidamente, lendo os documentos, constatamos não possuírem sequer assinatura, não sendo possível averiguar quem garante a sua veracidade. (42) Depois, não se percebe como é que um dos documentos tem indicação «segundo discurso do Führer» e ao mesmo tempo nenhum dos documentos fala em interrupção de reuniões ou dá a entender que se trata de sessões diferentes.

E frise-se que, nae suas memórias, tão injustas e severas para Hitler, Von Manstein, que escutou a exposição feita pelo Führer em 22 de Agosto, nega em absoluto que os pretensos documentos apresentados em Nuremberga reproduzam com exactidão as palavras do Chanceler alemão. (43)

E, de resto, não há documentos possíveis e imaginárias que invalidem os factos seguintes:

Em Novembro de 1936 Goering dizia ao embaixador polaco em Berlim, Lipski, que o «Chanceler desejaria em troca de compensações dadas ... noutro plano adquirir facilidades ... para ligar a Prússia Oriental ao resto da Alemanha»; (44)

Em 29 de Outubro de 1938, perante o mesmo Lipski, «abordou a questão de Danzigue sem dissimular que desejava chegar à anexação da cidade livre garantindo os nossos (da Polónia) direitos económicos»; (45)

Em 8 de janeiro de 1939, na sua entrevista com o coronel Beck, ministro dos Negócios Estrangeiros de Varsóvia, apassando em seguida ao negócio de Danzígue, Hitler afirmou que toda a dificuldade estava em que essa cidade era alemã, e então fez uma alusão clara ao facto de que um dia Danzigue voltará para o Reich ... Beck respondeu com muita energia que, na realidade, o que lhe fora dito acerca de Danzigue não suprimia as dificuldades entre os dois paises ... toda a opinião polaca era muito sensível nesse ponto»; (46)

Em 10 de janeiro de 1939, em colóquio com o subsecretário de Estado dos Estrangeiros Szembeck, Beck «declara que, com efeito, o problema de Danzigue era muito difícil de resolver e que era preciso reflectir muito sèriamente nele. Há duas soluções: deixar as coisas tal como estão ou procurar um compromisso. A primeira solução não lhe parecia boa»; (47)

[203]
Em 29 de Janeiro, Miguel Lubienski, chefe de gabinete de Beck, comunica a Szembeck que «A questão de Danzigue tinha sido objecto principal das conversações do ministro com Ribbentrop. Beck repeliu categòricamente o estabelecimento duma auto-estrada territorial através da Pomerãnia». (48)

A 6 de Março Lipski comunica a Szembeck: «Os alemães mantém as suas exigências a respeito de Danzigue»; (49)

22 de Março anota Szembeck: «Entrevista com Lipski ... Relatou-me a derradeira conversa com Ribbentrop, que de novo formulou as exigências, a respeito de Danzigue, da extraterritorialidade e da auto-estrada ... O ministro alemão conservou as fórmulás da polidez, mas no fundo os seus propósitos foram violentos; por exemplo: declarou que a Alemanha tinha contribuído para a formação da Polónia. Falou de novo na questão duma viagem de Beck a Berlim, que nas circunstâncias actuais é impossível. O nosso embaixador não exclui que a Alemanha formule as suas exigências sob a forma de ultimato ... Entrevista com Miguel Lubienski ... Lubienski pensa que no assunto de Danzigue nos devemos mostrar absolutamente resolutos e categóricos ... Sustentei que deviamos mostrar agora os dentes à Alemanha»; (50)

Finalmente, em 26 de Março, Lipski entregava ao ministro dos Estrangeiros do Reich uma nota polaca que suspendia quaisquer negociações acerca de Danzigue e do Corredor. A este respeito escreve o embaixador britânico em Berlim, Neville Henderson, no seu livro. Dois anos junto de Hitler (Failure of a mission): «Quando Ribbentrop ditou de maneira categórica ao embaiaxador da Polónia as condições de Hitler, o diplomata polaco recebeu ordem para interromper as negociações». (51)

Ora, consultando os apontamentos de Szembeck, nós lemos que Ribbentrop formulou de novo as exigências alemãs. Se exigências havia, elas não constituíam novidade.

Como afirmar, então, que foi quando Ribbentrop ditou de maneira categórica as condições de Hitler que o diplomata polaco recebeu ordem para interromper as negociações? Tais condições não erarri surpresa para ninguém. De há muito, pelos vistos, que Ribbentrop as tinha «ditado». Mas fê-lo em tom inèditamente

[204] violento no fundo, observar-nos-ão. O exemplo que Lipski nos dá dessa violência (sustentar que a Alemanha contribuíra para a formação da Polónia) não convence, grandemente, ninguém. E a verdade é que reconhece terem sido respeitadas as fórmulas da polidez. Até aqui, portanto, nada se vê que explique a interrupção das negociações. Os pedidos alemães eram já conhecidos, e o modo de os apresentar, formalmente polido, não sendo uma hipotética violência de fundo contida na linguagem, exteriormente, correcta do ministro germânico que pode justificar a atitude do gabinete de Varsóvia. Aliás, Ribbentrop tinha tão pouco a consciência de estar a formular um diktat, que abordava o problema da vinda de Beck a Berlim, sinal certo que pariele as negociações deveriam, naturalmente, prosseguir. A realidade, porém, é que, por vontade da Polónia, não prosseguiram.

Dir-noa-ão que as pretensões alemães, na sua substância, eram coisa de tal maneira inaceitável que se compreende que o Governo polaco se visse obrigado o pôr cobro às conversações sobre o assunto, sem outro motivo que não fosse a insistência do Reich, em si mesma escandalosa? Ou afirmar-nos-ão, ainda, que a ruptura polaca, em 26 de Março, se entende muito bem, porque a Alemanha, no dio 15 desse mês, ocupara Praga, alarmando, legìtimamente, a Polónia?

Examinemos ambas as objecções. As reivindicações alemãs representavam algo de evidente e fundamentalmente injusto e espoliador? Não responderemos nós à pergunta, que somos suspeitos, mas daremos a palavra a dois diplomatas ingleses. Proclama Neville Henderson, na obra acima referida: «Não se trata de população alemã vivendo em território vizinho do Reich. O ponto de vista alemão seria compreensível se se tratasse, apenas, duma passagem através do Corredor ou de Danzigue com os seus 400.000 alemães. Mas a Alemanha comprometera, irremediàvelmente, a sua causa pela atitude que adoptara depois de Munique ... Danzigue não ia constituir como os Sudetas a primeira etapa ... seguida pela posse ... de Posen e da Silésia até à supressão total da Polónia?». (52)

E no Diário de Szembeck lemos: «O professor Kucharzewski disse a Kobylanski que o embaixador da Grã-Bretanha numa

[205] conversa procurou persuadi-lo de que será difícil à Inglaterra entrar em guerra com a Alemanha a propósito de Danzigue: «Beck terá grandes dificuldades, pois em Inglaterra ninguém compreenderia uma guerra cuja causa fosse a cidade de Danzigue, que é uma cidade alemã». (53)

No tocante à ocupação de Praga, lembramos o que já atrás foi dito. Segundo Henderson, Hitler limitou-se a aproveitar a eclosão do conflito entre Checos e Eslovacos, não tendo preparado nenhuma acção para a data. Esse conflito, na insuspeita opinião de Chamberlain, levou o Estado checoslovaco a dissolver-se por dentro. Obtendo o acordo do representante legítimo de semelhante Estado -- o Presidente Hacha -- o III Reich substituiu-se ao poder nominal e vacante existente em tal país, impedindo que caísse na anarquia e protegendo a minoria germânica, conforme era da sua obrigação. De resto, o procedimento do Führer não devia ter causado espanto, indignação e repulsa à Polónia, que apareceu, muito natural, a reconhecer logo a independència eslavaca, proclamada nessa altura por monsenhor Tiso, depois da sua visita a Berlim, (54) e a manifestar júbilo e alegria pelo facto de a dissolução da Checoslováquia ter permitido estabelecer uma fronteira comum húngaro-polaca. (55)

Torna-se evidente, por conseguinte, que não é válida nenhuma das razões avocadas para legitimar a resolução de Varsóvia de interromper as negociações acerca de Danzigue e do Corredor.

E, no entanto, que aconteceu? Cinco dias após a estranhíssima resolução polaca de mostrar os dentes à Alemanha (Szembec dixit) entra em cena a Inglaterra, a conceder a sua célebre garantia em termos duma tal indeterminação e amplitude que permitiam à Polónia iniciar um conflito quando muito bem lhe apetecesse, contando sempre com o apoio britânico (e, em consequência, com o apoio da França, politicamente vinculada à Inglaterra).

Asserção gratuita a nossa? Perdão, asserção alicerçada no próprio texto do acordo anglo-polaco que consubstanciava a garantia de 31 de Março e substituía o acordo provisório de assistéricia mútua de 6 de Abril.

[206]
Senão vejamos. É prevista assistência mútua, nos termos do artigo 2.*, «no caso de qualquer acto empreendido por um potência europeia que claramente ameace de modo directo o indirecto a independência de uma das partes contratantes ou que seja de tal natureza que a parte em questão considere do seu vital interesse resistir-lhe com as suas forças armadas». (56)

Consoante observa, justamente, Bruno Spampanato, «Nen se aguardará sequer a agressão normalmente definida como acti de hostilidade pelas armas. Cada uma das partes poderá considerar-se a seu bel-prazer mais ou menos ameaçada, ainda qui indirectamente, e recorrer ou não ao uso da força armada». (57)

Mae, replicar-nos-ão, o acordo é de 25 de Agosto e a garantia foi concedida a 31 de Março. Pela nossa parte frisaremos que, já em 31 de Março nos Comuns, o Sr. Chamberlain falou em «qualquer acto pondo nìtidamente em perigo a independência polaca e ao qual, o Governo polaco em consequência, julgue de interesse vital resistir com as suas forças nacionais». (58) Também aqui não se toma necessário um acto de hostilidade pelas armas e basta a noção, sempre subjectiva, de perigo para justificar o emprego de meios bélicos por parte da Polónia. Além disso, que o acordo procurava ser a interpretação autêntica das garantias trocadas, ninguém o pode contestar. Basta ler-lhe o texto que começa assim:

É, pois, o tratado mesmo que se afirma expressão das garantias já permutadas e que eram, nem mais nem menos, a de 31 de Março e a posterior de 6 de Abril. Aliás, repugna aceitar que cláusulas daquela gravidade e índole fossem inseridas ex novo na própria altura da sua assinatura, trazendo algo de inédito às relações anglo-polacas, em vez de corresponderem a anteriores promessas. Não era no fim de Agosto de 1939, quando o conflito estava prestes a eclodir (em 16 Neville Henderson telegrafava a lorde Halifax, ministro dos Negócios Estrangeiros inglês que «a paciência

[207] de Hitler estava agora esgotada»), (60) e quando a Alemanha, desde há meses, protestava contra o cheque em branco dado ao gabinete de Varsóvia, que a Grã-Bretanha iria tornar mais vulnerável a sua posição diplomática, modificando o teor dos comprimissos antigos e logo de forma a confirmar, por inteiro, a boa razão das alegações de Reich !

Seja como for, porém, não sofre contestação que «À garantia dada à Polónia seguiram-se as garantias unilaterais dadas pela Grã-Bretanha à Grécia e à Roménia e, também uma tentativa da parte dos Governos britânico e francês para levarem a U.R.S.S. a juntar-se a uma frente da paz contra a agressão». (61) O embaixador Henderson, que escreve estas linhas, confessa que «as negociações com a Rússia conduziam a um cerco». (62) Simultáneamente, iniciaram-se preparativos militares em grande escala, cuja expressão mais significativa está na lei inglesa, anunciada em 26 de Abril, que, rompendo com uma secular tradição, estabelecia o serviço militar obrigatório.

Estavam lançados os dados. Às legítimas reivindicações alemãs à Polónia respondia-se com a formação de uma coligação entre a última, a Inglaterra, a França e a U.R.S.S., coligação que cercaria o Reich com intuitos nìtidamente agressivos, visto dois dos seus membros (Polónia e Inglaterra) terem pactuado mútuo auxilio militar para o caso de um deles se julgar ameaçado e, sem esperar um ataque efectivo, iniciar operações bélicas, comprometendo-se os restantes a apoiá-los.

A questão de Danzigue e do Corredor tornava-se, assim, uma questão de vida ou de morte para a Alemanha, uma questão em que se jogava a sua existência enquanto potência autónoma, capaz de decidir por si, sem ter de receber autorização do estrangeiro. E compreende-se, agora, que pusesse o dilema: ou a satisfação das suas justas reivindicações ou a guerra. Porque urgia desfazer a coligação que se formava, a qual, a consolidar-se, disporia do destino do Reich como coisa sua, através do mecanismo de auxilio reciproco dos respectivos elementos a alguns deles, que, limitando-se a dizer-se atingidos nos seus interesses vitais, houvessem por bem hostilizar pelas armas o Estado alemão ou impedi-lo de realizar isto ou aquilo (e um plano de rearma-

[208] mento, uma concentração militar, a construção de fortificações podem sempre levar um país a proclamar comprometidos os seus interesses vitais).

Se as justas reivindicações germânicas fossem aceites especificamente, era a coligação antialemã que se esboroava por si e sem se empregar a violência; se o não fossem, impunha-se lutar por elas, uma vez que era o meio de tentar desfazer tal coligação pela força, na melhor altura para isso, ou seja, na altura em que a preparação militar dos prováveis adversários se mostrava menos eficiente e os seus planos de rearmamento estavam no início.

Ceder é que não constituía coisa possível, representando a entrega ao bon vouloir da Inglaterra, França, Polónia, etc., que, breve, satisfeitas com o êxito, se mostrariam dominadorae e cheias de exigências.

Por isso a partir da garantia britânica de 31 de Março a Alemanha firma-se cada vez mais numa posição de intransigência. Em 26 de Abril Hitler denunciou o tratado de não agressão germano-polaco e, bem assim, o acordo naval anglo-alemão. A tensão foi aumentando, progressivamente, nos meses de Maio, Junho e Julho. Na Polónia praticava-se o que uma testemunha italiana, Giuseppe Romanelli, chamava a «caça ao homem». (63) Neville Henderson acha que «as histórias de maus tratos, de expropriações e de assassínios apareceram multiplicadas por cem». (64) Implicitamente, porém, sempre confessa que houve maus tratos, expropriações e assassínios de que foi vítima a minoria germànica.

Em 4 de Agosto, «em quatro postos diferentes da fronteira entre Danzigue e a Prússia Oriental, os inspectores da alfândega polaca foram informados de que de futuro não lhes seria mais permitido exercer a sua missão ... O Governo de Varsóvia deu imediatamente ao comissário-geral de Danzigue instruções para a entrega de uma nota ao Senado da cidade, advertindo este último de que o Governo polaco reagiria da maneira mais enérgica caso fosse coarctada a função dos seus inspectores. Mais tarde o Senado negou ter dado instruções nesse sentido, mas o Governo alemão respondeu ao que chamou o ultimato polaco com uma nota verbal ... O Governo polaco era nela advertido de que qualquer

[209] novo pedido dirigido sob forma de ultimato ou contendo ameaça de represália conduziria imediatamente a um agravamento de relações polaco-alemãs, cabendo tal responsabilidade ao Governo polaco. Este último respondeu, no dia seguinte, por nota verbal similar, que negava o direito jurídico de intervir nos negócios entre a Polónia e a Cidade Livre e prevenia por sua vez o Governo alemão de que «qualquer intervenção futura deste último em detrimento dos direitos e interesses polacos em Danzigue seria considerada um acto de agressão». (65)

Qualquer intervenção (lícita ou ilícita, legal ou ilegal, pacífica ou violenta, pelos vistos) em detrimento dos interesses polacos em Danzigue (interesses morais, económicos, políticos, financeiros?) seria considerada agressão.

Com semelhante resposta, de uma enorme insoléncia, e em que o Gabinete de Varsóvia se mostrava disposto a fazer eclodir o conflito ao primeiro pretexto que lhe surgisse, a tensão atingiu o auge. Em 12 de Agosto Ribbentrop, comunicou a Ciano que o Führer «estava disposto a resolver a questão polaca de uma maneira ou de outra». (66)

Não importa, aqui, seguir, dia a dia, os acontecimentos. Para quebrar o cerco que a ameaçava, a Alemanha celebrou um pacto de não-agressão com a U.R.S.S., assinado em 24, no momento em que missões militares inglesas e francesas estavam em Moscovo. E note-se que a vontade de agressão do Reich era tão forte, tão assente, que, no «dia, 25 de Agosto, data fixada para a invasão da Polónia», (67) Hitler suspendeu as suas ordens. Pensava que tendo um dos principais membros da projectada coligação envolvente desertado, os outros reflectiriam um pouco e se inclinariam para a compreensão e a transigéncia. Enganava-se. A Grã-Bretanha queria a guerra. Na Life of Neville Chamberlain, de Keith Feiling, lê-se o seguinte fragmento do Diário desse primeiro-ministro: «A longa agonia prolongada que antecedeu a declaração de guerra própriamente dita foi terrível. O nosso desejo era que a situação se agravasse ... ». (68)

A situação agravou-se de facto. E, em 1 de Setembro, as forças da Wehrmacht transpuseram a fronteira da Polónia, cuja mobilização geral tinha sido proclamada a 30 de Agosto. (69)

[210]
No dia 2 o conde Ciano, em nome de Mussolini, propôs uma conferência internacional entre a França, a Inglaterra, a Alemanha e a Polónia. «Essa conferência poderia seguir-se de muito perto a um armistício imediato fixando os adversários nas suas posições respectivas». (70) A Alemanha que, brada-se, desejava a «sua» guerra, a Alemanha que queria a todo o custo esmagar o Estado polaco, a Alemanha não repeliu a proposta. (71) Mas a Inglaterra sim. Sabendo, já, por Ciano, que, dificilmente, seria admitida semelhante condição, exigiu no entanto que as tropas do Reich, nos termos do ultimato apresentado a Von Ribbentrop no dia 31, retirassem das parcelas de território polaco que ocupavam. (72) Frustrava-se, assim, a última esperança de se salvar a paz.

É esta incontestável culpabilidade inglesa que nenhuns documentos apresentados em Nuremberga poderão iludir.

Não nos é possível prosseguir na análise de outros pretensos crimes atribuídos ao nacional-socialismo. No, que diz respeito a violações de neutralidade toda a gente se indigna contra a agressão à pacífica Noruega, pequeno país tão estimável e cordato. Não vamos de novo analisar textos e testemunhos, pois de outro modo nunca acabaríamos, e, em vez de um apêndice exemplificativo e justificativo das asserções que fizemos, teríamos de escrever muitos volumes. Recordemos, apenas, que o Sr. Churchill, nas suas Memórias, confessou que, quando, com surpresa sua, os Alemães desembarcavam na Noruega, estavam tropas britânicas a preparar-se para idêntica operação. Quer-se melhor confissão de intuitos agressivos? E melhor confirmação dos propósitos defensivos de Hitler, que, nas suas instruções ao comandante das forças expedicionárias, falava em prevenir um ataque inglês ? (73)

Ficamo-nos por aqui, visto a índole deste livro impor que nos detenhamos. Mas não é por nos faltar matéria e por termos esgotados os argumentos. E, mais cedo ou mais tarde, nós ou outros prosseguiremos na sagrada tarefa de defender a vilipendiada honra dos nossos camaradas de ideias, vencidos pelas democracias, que a todo o custo os pretendem difamar, aproveitando-se de um triunfo brutal e sem escrúpulos, e do desânimo e da confusão provocados pela derrota.

 

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António José de Brito

Destino do Nacionalismo Portuguès

Apêndice IV, Ed. Verbo

Lisboa, 1962, p. 167-221.



[ 1 ] [ 2 ]

1 / François Bayle, Croix Gammée contre Caducée, p. 56.
2 / Idem, p. 229.
3 / Idem, pp. 1430 e segs., 1440 e segs,. e 1436 e segs. O outro perito da acusação, o alemão Prof. Leibrand, apenas deu a entender que admitia a licitude das experiéncias humanas não o dizendo expressamente. Cfr. ob. cit., pp. 1423 e 1428.
4 / François Bayle, Croix Gammée cit., p. 1493.
5 / Idem, pp. 6 e 7.
6 / Idem, pp. 22, 367, 369, 377, 388 e 406 a 408.
7 / Idem, p. 541.
8 / Idem, pp. 1423 a 1426 e 1447 a 1463.
9 / Idem, p. 672.
10 / Idem, pp. 224 e 226.
11 / Idem, pp. 677 a 683.
12 / Idem, p. 691.
13 / Idem, p. 690.
14 / Idem, pp. 309 a 311.
15 / Idem, p. 729, Procès cit., vol. IV, V. 63.
16 / Idem, p. 1429.
17 / Idem, pp. 729 a 740.
18 / Igualmente se falou (alguns dos documentos exibidos parecem-nos falsos) na aplicação da eutanásia a tuberculosos polacos incuráveis, mas o próprio Tribunal reconheceu que Himmler, ouvidas as objecçóes do médico nacional-socialista Dr. Blome, «abandonou o programa ... previsto», idem, p. 957.
19 / Idem. p. 859.
20 / Carta do Tribunal Internacional Militar cit., art.* 6.*-a).
21 / Kurt von Schuschnnig, último chanceler do artificioso Estado austríaco, in Austria, pátria minha, trad. portuguesa, pp. 87 e 88.
22 / Neville Henderson, Dois anos junto de Hitler cit., p. 258.
23 / Palavras proferidas na Câmara dos Comuns a 15 de Março à noite. É óbvio que uma vez desagregada a Checoslováquia, em Praga apenas restava um poder desacreditado e nominal. A Alemanha não podia permitir que uma zona fronteiriça da maior importância estratégica e onde existiam fortes minorias germânicas tombasse na anarquia, pelo que se substituiu a esse poder vacante de facto, conseguindo, aliás sem grande resistencia, a anuência do mesmo, representado pelo presidente Hacha.
24 / Não nos foi possível tratar dos «crimes de guerra», pois não é nosso intuito abordar todas as acusações que impendem sobre o nazismo, mas apenas algumas, a título exemplificativo e naturalmente as de maior gravidade. Entretanto, observaremos, de passagem, que foi classificado de crime de guerra o fuzilamento de reféns em représália, não obstante o Código Militar britânico os admitir (art.os 453 e 454, citados por F. J. P. Veale, in El crimen de Nuremberg, p. 320). E note-se que em Estrasburgo, as tropas gaullistas anunciaram que fariam fuzilar cinco reféns por cada soldado francês morto (Le procès de Robert Brasillach, p. 92). Acresce que Estrasburgo nem sequer era território inimigo ocupado.
25 / Procès cit., vol. II, p. 269.
26 / Idem, p. 271.
27 / Idem, p. 268.
28 / A Minha Luta cit, p. 395.
29 / Hans Frank, ob. cit., p. 25. Quanto a Günther, utilizamos a exposição do insuspeito E. Vermeil, pp. 291 a 305. U. Scheuner é transcrito por René Bonnard, ob. cit., p. 39. Bonnard menciona ainda outros autores nacionais-socialistas (p. 47) e publica o texto de lei de 5 de Setembro de 1935 (p. 50), que consagra a tese de que o povo alemão resultava de uma mescla racial.
30 / Procès cit., vol. II, pp. 273 a 276, e vol. XXV, pp. 402 a 413.
31 / Idem, p. 274.
32 / Idem, pp. 266 e 267.
33 / Idem, p. 282, e vol. XXXVII, pp. 546 a 556.
34 / Procès cit., vol, II, p. 283.
35 / Idem, p. 281.
36 / Idem, p. 284.
37 / Idem, p. 284.
38 / Trevor Roper, Os últimos dias de Hitler, trad. portuguesa, pp. 163 e 302.
39 / Aldermann alega que a autenticidade e e precisão dente documento na qualidade de acta da conferência de 23 de Maio foram reconhecidas pelo acusado Keitel durante um interrogatório (Procès cit., vol. II, p. 281). Não nos afirma, porém, que no interrogatório tal documento foi lido na integra a Keitel ou apenas exibido como a acta de Schmundt referente à reunião em causa e que decerto o marechal supunha autêntica no seu original. Mas seria este o documento que veio de Londres e a Tribunal juntou ao processo?
40 / Procès, cit., vol. 11, pp. 292 e 294.
41 / Idem, pp. 290 e 291.
42 / Idem, pp. 293 a 295.
43 / Von Manstein, Victoires perdues, p. 9.
44 / Jean Szembeck, Diário, trad. francesa, p. 214.
45 / Idem, p. 366.
46 / Idem, pp. 405 e 406.
47 / Idem, p. 407.
48 / Idem, p. 412.
49 / Idem, p. 425.
50 / Idem, pp. 433 e 434.
51 / Neville Henderson, Dois anos cit., p. 264.
52 / Idem, p. 272.
53 / Szembeck, Diário cit., p. 451.
54 / Livre jaune français, p. 104.
55 / Szembeck, Diário cit, p. 431.
56 / «Documents concerning German-Polish relations ... presented by the Secretary of State for Foreign Affairs to Parliament», in Miscellaneous n.* 9, 38, doc. n.* 19.
57 / Bruno Sampaio, Contromemoriale, vol. I, p. 39.
58 / «Documents concerning German-Polish relations» cit., p. 36, doc. n* 17.
59 / Idem, p. 37, doc. n.* 19.
60 / Idem, p. 90, doc. n.* 49.
61 / Relatório final de Sir Neville Henderson ao ministro dos Negócios Estrangeiros britânico traduzido para português com o título Os meus últimos dias em Berlim, p. 19.
62 / Neville Henderson, Dois anos junto de Hitler, p. 268.
63 / Bruno Spampanato, Contromemoriale, vol. I, pp. 319 e 320.
64 / Neville Henderson, Dois anos cit., p. 307.
65 / Neville Henderson, Os meus últimos dias cit., pp. 22 e 23.
66 / Joachim von Ribbentrop, De Londres a Moscovo cit., p. 225.
67 / Neville Henderson, Dois anos cit., p. 310; e Von Manstein, Victórias perdidas, trad. francesa, p. 12.
68 / Cit. nas notas ao volume De Londres a Moscovo, p. 242. Supomos tais notas da autoria da viúva de Von Ribbentrop; a presente citação, que saibamos, nunca foi impugnada.
69 / Szembeck, Diário cit., p. 458.
70 / Le Livre jaune français, pp. 406 e 407, doc. n.* 360.
71 / Idem, ibidem.
72 / Idem, p. 407, doc. n.* 360; Documents cits., pp, 168, 169, 172 e 173, doc. n.** 110, 111 e 116.
73 / Winston Churchill. Memórias sobre a 2.a Guerra Mundial, trad. francesa, t. I, vol. II, pp. 174, 203 e 204.


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